Pelo segundo dia consecutivo, manifestações em todo o país prestaram apoio ao presidente Jair Bolsonaro e pediram o fim do isolamento social e a reabertura do comércio. Muitos manifestantes também defenderam a intervenção militar e a volta do AI-5, instrumento mais repressor da ditadura militar, e atacaram Congresso e STF.
O presidente Jair Bolsonaro participou de ato em Brasília neste domingo (19), causando aglomerações. Em protestos em diversas capitais, como São Paulo, Salvador e Manaus, foram feitos discursos em defesa do isolamento vertical, quando só os grupos de risco ficam em casa.
Depois de almoçar na casa de um dos filhos, o deputado Eduardo Bolsonaro (PSL-SP), Bolsonaro se dirigiu ao quartel-general do Exército, onde estava parada uma carreata dos manifestantes. O grupo era formado por algumas centenas de pessoas, muitos com faixas pedindo um novo AI-5 e intervenção militar. Ao verem Bolsonaro chegar, os manifestantes se aglomeraram para ouvir o presidente.
Em cima da caçamba de uma caminhonete, Bolsonaro discursou contra o que chamou de velha política. “Chega da velha política. Agora é Brasil acima de tudo e Deus acima de todos”, declarou. “Nós não queremos negociar nada. Nós queremos ação pelo Brasil”, afirmou o presidente.
Bolsonaro tem incentivado os protestos. No sábado (18), o presidente também deixou do Alvorada para se encontrar com apoiadores. “Isolamento vertical”, “Fora, Maia”, “AI-5 já ” e “Globo lixo” estampavam adesivos nos veículos e em camisas dos manifestantes. Com um carro de som e mais de cem motos e carros, a carreata tentou parar em frente ao Palácio do Planalto, mas foi impedida pela Polícia Militar do Distrito Federal.
Além de bandeiras do Brasil e faixas contra os poderes Legislativo e Judiciário, alguns manifestantes carregavam cartazes pedindo intervenção militar e até o “direito de explodir a cabeça de um petista” caso ele invada sua propriedade.
Em São Paulo, pelo segundo dia consecutivo, manifestantes em carreata furaram o isolamento social recomendado pela OMS e se aglomeraram na av. Paulista na tarde deste domingo (19).
O estado contabiliza 1.015 mortes e 14,2 mil infectados. As regras de isolamento são amparadas em recomendações médicas e foram adotadas na Europa, nos Estados Unidos, na China, na Índia e na maior parte dos países. O pico da doença em São Paulo está previsto para maio, mas grandes hospitais já operam com ao menos 80% dos leitos de UTI ocupados.
Vestidos de verde e amarelo e com bandeiras do Brasil, os apoiadores de Bolsonaro pediram o fim do isolamento social e protestaram contra o governador João Doria (PSDB), contra o presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), contra o Congresso e o Supremo Tribunal Federal.
Também houve placas a favor de intervenção militar e AI-5, além de discursos negando a existência da pandemia.
A quantidade de veículos e a multidão de gente em meio aos carros e em frente à Fiesp foi maior do que a vista no sábado (18). A maioria não usava máscaras e havia muitos idosos no grupo. À tarde, Bolsonaro ligou para Sergio Lima, publicitário do Aliança pelo Brasil que estava na Paulista, e saudou os manifestantes por vídeo. Não foi possível ouvir o que ele disse, mas a multidão gritou “mito”.
Com centenas de carros e motos estacionados, os dois sentidos da av. Paulista ficaram bloqueados. Policiais não impediram o trancamento da via, apenas orientaram carros e ônibus a desviarem.
Alguns carros tiveram que avançar pelo canteiro central e houve ônibus presos na confusão. A carreata deixou o ginásio do Ibirapuera às 14h, percorrendo Jardins, Pinheiros, a marginal Pinheiros, a ponte Octavio Frias Filho, a região do Aeroporto de Congonhas, a av. 23 de Maio até chegar à Paulista.
No trajeto, os veículos acabaram se espaçando, com grupos bem à frente de outros. Ao final, porém, todos se uniram na Paulista. Com muitas buzinas, o ato chamava atenção de moradores nos prédios e provocava panelaço e gritos de repúdio. “Tira a máscara” e “filhos da puta” foram alguns xingamentos.
Pelo caminho, a carreata promoveu buzinaço em frente ou nas imediações dos hospitais Moriah, Ruben Berta, Edmundo Vasconcelos, HCor, Santa Catarina e Pro Matre. Uma ambulância também teve dificuldade de avançar em meio à carreata na 23 de Maio.
Na ponte Octavio Frias Filho, a ponte Estaiada, os manifestantes desceram dos carros para tirar fotos e xingar a Rede Globo, o que também gerou aglomeração.
Em uma caixa de som, o engenheiro Antônio Carlos Bronzeri, da Frente Brasileira Conservadora, aproveitou a pausa na carreata para fazer um discurso negacionista, afirmando que o coronavírus não existe. “Fora, Doria. Fora, STF. Fora, Congresso vagabundo”, discursou. Outros motoristas gritaram: “Queremos trabalhar”.
Em geral, as carreatas em São Paulo estão sendo executadas por militantes sem ligação com os principais movimentos de direita e por integrantes de movimentos menores. Segundo os participantes, são atos espontâneos e sem liderança clara, embora contem com a divulgação de grandes movimentos bolsonaristas nas redes sociais.
Caminhoneiros e intervencionistas também se juntaram às carreatas. Além desse público tradicional das carreatas, o movimento Nas Ruas convocou ainda seus militantes para a carreata deste domingo.
Na concentração, houve discussão entre o líder do Nas Ruas, Tomé Abduch, e representantes de caminhoneiros e outros militantes a respeito do trajeto. As lideranças, que estavam presentes na carreata de sábado, acusavam Abduch de surfar na carreata que haviam criado.
A princípio, Abduch, que reconhece a gravidade da pandemia, pediu a seus seguidores que usassem máscara e álcool em gel e evitassem sair dos carros. Conforme ele afirmou à Folha, sair dos carros e provocar aglomeração seria irresponsabilidade. Ele próprio, porém, descumpriu a orientação e saiu de seu veículo na ponte Estaiada e na av. Paulista.
Abduch defende o retorno do comércio nas cidades com poucos casos, mas com medidas de distanciamento e higiene. Ele reconhece, porém, que não seria uma medida adequada para a capital nesse momento. Para ele, o novo ministro da Saúde, Nelson Teich, precisa enfrentar a doença sem esquecer a economia. “A fome vai matar mais que a própria doença”, disse.
Questionado pela reportagem se a carreata não passaria o recado à população de que é preciso descumprir o isolamento e minimizar o vírus, ele afirmou que não. “Ninguém é inconsequente de falar ‘voltem ao trabalho’. Não é isso que estamos pedindo hoje. Nas nossas redes está claro a defesa do isolamento vertical responsável”, afirmou, contradizendo diversos militantes da carreata que, sim, ignoram a pandemia e querem a vida normal de volta.
Outro membro do Nas Ruas integrou a aglomeração na av. Paulista. Questionado pela Folha, ele afirmou que já estava indo embora e que apenas ajudou o publicitário Sergio Lima a colocar os manifestantes em contato com o presidente via ligação em vídeo, a pedido de Bolsonaro.
Sobre o fato de que as pessoas desceram dos carros, afirmou que o Nas Ruas dá orientação, mas não controla os manifestantes.
Total de mortes pelo país
O número de mortes pelo novo coronavírus chegou a 2.347 no Brasil neste sábado (18). Em 24 horas, foram registrados 206 óbitos pela doença. Os dados foram divulgados pelo Ministério da Saúde. Ao todo, são 36.599 casos confirmados da Covid-19.
De acordo com o balanço, o índice de letalidade do novo vírus, em relação ao total de casos, está em 6,4%. No dia anterior eram 33.682 casos e 2.141 mortes.
O ministério, porém, afirma que a tendência é que o número real de casos seja maior, já que apenas pacientes internados em hospitais fazem testes e há casos que ainda esperam confirmação. Reportagem da Folha mostrou que equipes de atenção básica em várias cidades e estados afirmam que tem havido subnotificação.
São Paulo continua sendo o estado mais afetado pela pandemia. Já são 991 mortes pela doença e 13.894 casos confirmados.
O Rio de Janeiro é o segundo com mais casos e mortes em decorrência da Covid-19. São 387 óbitos e 4.543 com o teste positivo para Sars-CoV-2. Em relação ao número de mortes, aparecem na sequência Pernambuco, com 205, Ceará, com 176 e Amazonas, com 161.
Depois de São Paulo e do Rio de Janeiro, os estados com maior número de casos confirmados são Ceará, com 3034 , Pernambuco, com 2.193, e Amazonas, com 1897.
O apoio à quarentena como forma de evitar a disseminação do novo coronavírus sofreu uma queda nas duas últimas semanas, mas ainda é majoritária entre os brasileiros.
Segundo o Datafolha, são 68% aqueles que dizem acreditar que ficar em casa para conter o vírus é mais importante, ainda que isso prejudique a economia e gere desemprego.
No levantamento anterior do instituto, feito de 1º a 3 de abril, eram 76%. A pesquisa atual ouviu 1.606 pessoas na sexta (17) e tem margem de erro de três pontos percentuais.
Essa queda não se reverteu integralmente em apoio à afirmação contrária, de que vale a pena acabar com isolamento social em nome da reativação econômica. O índice dos que concordam com isso oscilou positivamente de 18% para 22%, enquanto aqueles que não sabem foram de 6% para 10% no período.
O debate, visto por especialistas tanto em economia como em saúde como desfocado e politizado, tem pautado polêmicas envolvendo Jair Bolsonaro (sem partido).
Depois de minimizar a gravidade da Covid-19, a comparando a uma “gripezinha”, o presidente passou a insistir no foco do impacto econômico das quarentenas.
No cálculo, está o temor de que a recessão que provavelmente seguirá a emergência sanitária do Sars-CoV-2 solape seu apoio em cerca de um terço do eleitorado.
Em oposição, governadores como João Doria (PSDB-SP) e Wilson Witzel (PSC-RJ), assumiram a linha de seguir as recomendações internacionais de saúde, priorizando o isolamento.
O resultado é uma queda de braço que marca a organização do combate à pandemia no Brasil e já deixou vítimas políticas no caminho.
Luiz Henrique Mandetta perdeu o cargo de ministro da Saúde na quinta (16), entre outros motivos, por não concordar com as diretrizes de Bolsonaro sobre o isolamento social.
O Supremo Tribunal Federal interveio e decidiu na quarta (15) que os estados e municípios têm liberdade para impor as restrições que decidirem durante a crise.
Isso contrariou o presidente Bolsonaro, que se queixou de estar de mãos atadas na questão. Ele queria editar decreto obrigando a reabertura do comércio. Manteve o tom na sexta (17), quando sugeriu que as pessoas desobedecessem as ordens locais.