Ninguém tem mais conhecimento que Adolpho Queiroz e Erasmo Spadotto para falar sobre o Salão Internacional de Humor de Piracicaba. Adolpho tem propriedade para falar a respeito, pois foi um dos fundadores do Salão, lá no longínquo ano de 1974. Por outro lado, Erasmo Spadotto trabalhou décadas como chargista na imprensa local e, atualmente, atua como diretor do Salão. Nesta entrevista concedida ao jornalista Rafael Fioravanti, do Jornal PIRANOT, Adolpho e Erasmo falam sobre a história do Salão, e, principalmente, sobre a movimentação cultural em Piracicaba. Bate-papo interessante para ninguém botar defeito.
Antes de tudo, gostaria que os senhores contassem suas trajetórias até o momento.
Adolpho Queiroz: Sou jornalista e publicitário. Comecei a trabalhar aos 15 anos no Jornal O Diário de Piracicaba. Em 1980, me formei em publicidade pela Unimep (Universidade Metodista de Piracicaba), pois na época ainda não tínhamos um curso de jornalismo na universidade. No fim, acabei me dando bem na publicidade. Fiz uma trajetória como professor universitário, pois leciono já há mais de 35 anos. Uma das melhores coisas que guardei do jornalismo foi o Salão de Humor. Ele foi criado no jornal O Diário, quando eu ainda trabalhava lá. Eu fui convidado pelo Alceu Righetto e juntos fizemos o primeiro Salão de Humor de Piracicaba, sem qualquer perspectiva de seguir em frente para uma segunda ou terceira edição. E hoje, já estamos na 46ª edição do Salão de Humor. São 46 anos ininterruptos, somos o salão mais antigo do mundo atualmente. Outros países já fizeram um salão nos mesmos moldes, porém pararam. Só nós que continuamos ininterruptamente. Isso é um orgulho para Piracicaba.
Erasmo Spadotto: Eu já comecei como chargista no Jornal de Piracicaba em 1992. Entrei lá para trabalhar como revisor, porém, como eu também sabia desenhar, passei a fazer trabalho de chargista. Fiquei 25 anos como chargista no jornal. Fui convidado para trabalhar no Salão de Humor só em 2014. Aí fazia meio período no Salão de Humor, e, à tarde, ia para o jornal. Como diretor do Salão, atuo há três anos. Até então eu apenas trabalhava na equipe, não na direção.
Todo artista que envia um trabalho ao Salão de Humor recebe um feedback? Pergunto isso, pois, em 2018, o Salão de Humor recebeu 2.638 trabalhos.
Erasmo Spadotto: O artista manda o trabalho e só vai saber se foi selecionado depois que a seleção é feita. A gente divulga a lista dos selecionados, até porque não há como responder um por um. E quando o artista finalmente é selecionado, a chance de ele ser premiado é grande.
E como um trabalho tem que ser enviado?
Erasmo Spadotto: Hoje o Salão de Humor recebe tanto digital quanto original. Como a grande maioria dos artistas faz o trabalho diretamente no computador, acaba não existindo um original. Existe apenas um arquivo digital. Esse trabalho daí acaba sendo enviado por e-mail.
Na opinião dos senhores, qual o principal motivo para o nascimento do Salão?
Adolpho Queiroz: Em 1974, nós estávamos no auge da Ditadura Militar. Na época, havia uma reação na sociedade brasileira contra a presença dos militares no governo. Havia descontentamento. Havia uma pauta de reivindicações, queríamos anistia para os presos políticos e havia um grande desejo de ver mais estudantes nas decisões da sociedade, até porque o movimento estudantil era muito forte. Tudo isso culminou no nascimento d’O Pasquim, no Rio de Janeiro, endossado por artistas como Ziraldo, Millôr, Jaguar, etc. Quando O Pasquim chegava aqui em Piracicaba, nas manhãs de segunda-feira, era uma luta para conseguir uma cópia. O Pasquim era um jornal que contestava muito a Ditadura Militar. Mais ou menos nessa época, houve um Carnaval de rua aqui em Piracicaba. Fomos convidados para fazer a cobertura do evento e conversar com os jurados do Carnaval que estavam hospedados no Hotel Beira Rio. Ficamos todos ali com os jurados, conversando e tomando umas cervejas. Então, em determinado momento da entrevista, o Alceu explicitou pela primeira vez perante um jornalista da Folha, chamado José Maria do Prado (membro do júri na época), a intenção de montar um Salão de Humor em Piracicaba.
E por que o Alceu escolheu Piracicaba?
Adolpho Queiroz: Porque gostávamos do Pasquim e éramos jovens.
Havia algum motivo geográfico nisso?
Adolpho Queiroz: Nenhum! Foi uma simples coincidência. Aí o Alceu perguntou para esse José Maria do Prado se ele conhecia o Ziraldo. O Alceu disse que queríamos ir ao Rio de Janeiro para pedir ajuda na organização do Salão de Humor daqui de Piracicaba. O José Maria respondeu que não conhecia o Ziraldo, mas que conhecia o Zélio, ou seja, o irmão do Ziraldo. O José Maria era amigo do Zélio, pois o Zélio também morava em São Paulo e também trabalhava como jornalista. Fomos para São Paulo, contamos nossa história para o Zélio, ele ficou encantando e daí acabou entrando em contato com o Ziraldo. Foi assim que rolou. Como a Prefeitura de Piracicaba não tinha dinheiro para destinar uma verba inicial para o Salão de Humor, ficamos sabendo que o Luiz Antônio Lopes Fagundes — secretário municipal de Turismo de Piracicaba de 1973 a 1976 — já tinha manifestado vontade de criar um salão de fotografia aqui em Piracicaba. Ele tinha 10 mil cruzeiros em mãos para fazer esse salão de fotografia, mas como a ideia acabou não dando certo, ele deu esse dinheiro para nós.
Onde foi o primeiro Salão de Humor?
Adolpho Queiroz: O primeiro Salão foi feito debaixo da Difusora, onde havia também a antiga banca do Toninho Gianetti, o Café do Bule e, ao lado, o Edifício Kennedy, onde funcionava o Banco Português Brasileiro. O primeiro Salão do Humor de Piracicaba teve 700 trabalhos e mais de 120 artistas, todos brasileiros. Foi uma festa.
O Salão de Humor é um evento de grande valor artístico aqui em Piracicaba. Levando em conta a sua importância, os senhores acham que o Salão tem seu devido reconhecimento atualmente aqui no município?
Adolpho Queiroz: Tem! Porque o Salão tem bastante visitação. Muita gente de Piracicaba e região costuma visitar todos os anos.
Erasmo, o senhor agora é diretor do Salão de Humor. Qual é a maior dificuldade desse trabalho?
Erasmo Spadotto: A maior dificuldade é montar e organizar o Salão. Embora o Salão só aconteça em agosto, temos que trabalhar durante todo o resto do ano para fazê-lo acontecer. Eu não digo que isso seja uma tarefa complicada, mas uma tarefa trabalhosa. Temos que receber todos os trabalhos, organizá-los, convidar os artistas para comporem o júri (inclusive jurados estrangeiros), enfim, é muita coisa. A organização é complicada.
Em 2018, conforme já falei, o Salão de Humor recebeu 2.638 trabalhos. Como é feita a seleção de trabalhos?
Adolpho Queiroz: A seleção é feita com um mês de antecedência para a premiação. Convidamos para compôr o júri cartunistas de São Paulo e região, jornalistas, pesquisadores da área de comunicação e educadores. Então, em um final de semana, eles fazem a parte mais difícil, que é peneirar os trabalhos e fazer os 2.638 trabalhos recebidos se tornarem apenas 400. Essa é a parte mais complicada e dolorosa.
Erasmo Spadotto: É um final de semana de trabalho intenso. Começamos às 08h de sábado e estendemos até às 20 horas. No domingo é a mesma coisa.
E o que é feito com os trabalhos não selecionados?
Erasmo Spadotto: Os trabalhos originais nós devolvemos aos artistas através dos Correios. Já os digitais, que não são selecionados, ou apagamos ou guardamos em nosso acervo.
Vocês já pensaram em publicar um livro com todos esses trabalhos não selecionados? De repente, isso poderia se tornar até mesmo uma compilação de trabalhos desconhecidos.
Adolpho Queiroz: Nós nunca fizemos isso por respeito ao júri de seleção. Se o júri afunilou naqueles 400 trabalhos, seria desagradável para ele se nós pegássemos os trabalhos não selecionados e publicássemos.
Como os senhores enxergam os movimentos culturais aqui em Piracicaba atualmente? Dizem que Piracicaba é um celeiro de grandes artistas.
Adolpho Queiroz: Piracicaba é uma cidade diferente. A cidade possui uma boa estrutura para teatro, música e festas populares, etc. Nós temos cinco salões de arte aqui no município: o Belas Artes, Arte Contemporânea, o Aquarela e o próprio Salão de Humor. Todos sob a guarda da Prefeitura. E temos ainda o Naïf, que funciona sob a guarda do Sesc. Então, se você pegar a agenda cultural de Piracicaba, vai ver que toda semana tem alguma coisa acontecendo, seja no teatro, no cinema, na música ou na literatura. Em 2018, tivemos 36 lançamentos de livros só aqui em Piracicaba, praticamente só de autores locais.
Erasmo Spadotto: A movimentação cultural aqui no município é super intensa. Se você pegar Campinas, por exemplo, eles não têm metade da movimentação cultural que temos aqui. É preciso reforçar também que o poder público até muda de legenda a cada quatro anos, porém o trabalho é sempre continuado. Isso é importante. Poderia muito bem um governo terminar o mandato dele em quatro anos, e o novo que entrasse resolvesse parar com tudo que é feito. Então, há esse compromisso do poder público. Todos esses salões que o Adolpho citou são importantíssimos para a movimentação cultural do município.
Como os senhores enxergam o Salão de Humor no futuro?
Erasmo Spadotto: Vou usar como exemplo a categoria meme. Assim que um jogo de futebol chega ao fim, vários memes a respeito do jogo já começam a cair na internet. Isso prova que o Salão já está no futuro e que o artista está sempre se atualizando.
Adolpho Queiroz: Eu, que sou da velha guarda, posso dizer que nosso grande sonho é criar em Piracicaba um museu para o Salão de Humor. Durante o governo do Gabriel Ferrato, nós contratamos o Marcelo Dantas — pessoa responsável pelo Museu do Futebol no Pacaembu e também pelo Museu da Língua Portuguesa. E ele fez um belo projeto para o Salão do Humor. O problema é que a crise econômica dos últimos anos ainda não permitiu que o poder público desse esse presente para Piracicaba. Porém vamos continuar lutando para que isso aconteça. Se isso acontecer, as pessoas terão uma exposição permanente e poderão visitar o museu o ano inteiro.
Erasmo Spadotto: As pessoas precisam de algo nos mesmos moldes do Museu do Futebol no Pacaembu. Você tem que entrar no local e ser capaz de ver trabalhos premiados em 1985, por exemplo. Quem foi o autor? Quem ele é? O que faz hoje? A biografia do autor tem que estar lá disponível, isso é importante para manter a história viva.
Existe algum ponto curioso a respeito do Salão de Humor? Algo que seria interessante de as pessoas saberem?
Adolpho Queiroz: Há uns dois anos, recebemos aqui em Piracicaba o Arturo Kemches do México. E ele deu uma entrevista à imprensa local dizendo o seguinte: “O Salão de Humor de Piracicaba é a espinha dorsal dos salões do mundo”. Às vezes, nós até achamos que estamos fazendo pouco, porém o respeito mundial pela característica do nosso trabalho está aí.
Erasmo Spadotto: As inscrições para o Salão de Humor foram abertas em 25 de março. Porém, antes disso, já estávamos recebendo trabalhos. Os artistas já sabem que o Salão vai acontecer e confiam na história. Para este ano, já recebemos alguns trabalhos estrangeiros, de artistas da Bélgica, Ucrânia e até do Irã. Hoje o Salão funciona da seguinte forma: “se você divulgar, vai aumentar; se você não divulgar, vai manter.”
Se nós tivéssemos que mencionar uma pessoa que influenciou os senhores não só profissionalmente, mas também como pessoa, quem seria?
Adolpho Queiroz: O meu tributo vai ao Alceu Righetto, que foi o cara que jogou essa ideia no ar, há 46 anos, numa conversa, digamos, de boteco. Eu lutei muito para que o Salão reconhecesse o trabalho do Alceu.
Erasmo Spadotto: Uma pessoa que muito me influenciou é o Angeli. Ele foi fundamental na minha carreira como chargista.
Neste ano, o Salão Internacional de Humor de Piracicaba acontecerá do dia 10 de agosto a 27 de outubro.