Choveu bastante. Piracicaba parecia o Titanic com o casco rasgado. Era água por todos os lados. A cidade parou. Avenida Armando Salles retornou ao rio que um dia foi. A Rodoviária e um monte de lugar ficaram alagados. Já está virando rotina. Qualquer chuva mais forte paralisa tudo.
Piracicaba era chamada de fim-de-linha, porém, tranquila e segura. Mas, não demos valor. Depois da última gestão petista tivemos o retorno dos tucanos, que juntos com a Câmara de Vereadores, IPPLAP, ACIPI, setor imobiliário e imprensa pelega, o destino da cidade desviaram. “Novos tempos. Novos caminhos”, diziam. Sem os devidos estudos e debates com a sociedade, aumentaram o perímetro urbano para atender loteadores; sem planejamento aprovaram projetos a torto e a direito desdenhando a disposição das bacias hidrográficas que a natureza moldou; espremeram o verde e cobriram de piche o paralelepípedo das ruas, impermeabilizando aonde deu para dar passagem aos carros, arrastados agora pela força das águas. Ironia do destino? Surgiu uma cidade com os mesmos problemas de outras. E foram buscar essa gente de volta. Como nada acontece por acaso, voltaram para colher o que plantaram O duro é que os sensatos pagam o mesmo preço dos insensatos.
Contudo, não é do céu que vêm as enchentes, mas da terra; mais propriamente da imperícia das administrações públicas. Exceto a Rua do Porto, onde a mata ciliar foi ocupada, nossa incompetência começou com a canalização do Itapeva na década de 50 do século passado com o objetivo de construir uma avenida por cima, o que de fato aconteceu. Evidente que não tem como questionar com a mentalidade de hoje, os que na época achavam a obra um grande avanço. O que não dá para justificar é que com os conhecimentos de hoje não se leve em conta que o lugar continua sendo uma bacia, e quanto mais impermeabilização houver, mais água ajuntará.
Foi o que ocorreu com as obras que levaram a efeito a Avenida 31 de Março na década de 70. Quando criança eu brincava nesse trecho do Itapeva, chamado Coréia. Era limpo e suas margens cheias de verde. Vieram os tratores e traçaram a avenida. Para o ribeirão deixaram o mínimo. Incompetência ou ganância? Não sabiam prefeito e ‘engenheiros’ da época que estavam intervindo numa bacia hidrográfica? Não tinham estudos sobre o volume de água que por ali corria em tempos de chuva, prevendo que urbanizando o local muito mais água viria? Até hoje pagamos o preço, por sinal, cada dia mais caro. O Itapeva é senhor de seu destino. Se não pode correr por baixo, corre por cima. A mesma burrada foi feita no bairro Itapuã, ocasião em que padre Vicente de saudosa memória, alertava sobre a precariedade da obra, já que o ribeirão do Enxofre ficou espremido numa vala de concreto. Um absurdo. Deram ouvidos? O primeiro toró que deu foi um estrago.
“Antigamente as avenidas eram de terra, que absorve melhor a água. Agora, com tudo asfaltado, a água desce dos bairros mais altos. As galerias já não suportam o volume para o escoamento e por isso acontecem as inundações”. (João Chaddad, então presidente do IPPLAP referindo-se ao alagamento da Avenida 31 de Março. JP 17.02.11). Saber ele sabiam. Contudo, continuaram na mesma toada. Loucura igual querem fazer erguendo um shopping na Boyes. E ninguém abre a boca. “Poucos se importam com seu encanto, que eu amo tanto, dês que nasci”. (Newton de Mello).
Agora voltam com a obsoleta ideia de “piscinão”, que nada mais é que o reconhecimento da vitória das águas sobre a incompetência, pois não conseguiram domá-la. Porém, não temos saída. Ou tiramos o Itapeva do túmulo e o renaturalizamos ou ele vai nos assombrar para sempre, pois ante a natureza somos nada, mesmo os toupeiras que pensam que dinheiro pode tudo.
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ANTONIO CARLOS DANELON é assistente social e morador de Piracicaba. (totodanelon9@gmail.com)
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