O Capitão Cavellani — responsável pelo comando do Corpo de Bombeiros de Piracicaba e região — recebeu o jornalista Rafael Fioravanti, do Jornal PIRANOT, na base da Avenida Independência para falar um pouco sobre o seu trabalho. Com desenvoltura, o Capitão Cavellani contou um pouco sobre seu começo de carreira, sobre as ocorrências mais corriqueiras aqui no município, sobre a relação dos bombeiros com os piracicabanos, e claro, sobre o episódio que mais o marcou em todos esses anos de bombeiro. Confira abaixo a entrevista na íntegra.
Gostaria de saber como o senhor iniciou sua carreira no Corpo de Bombeiros?
Entrei na Polícia Militar em fevereiro de 2002, pela Academia Militar do Barro Branco, em São Paulo. Saí de lá em dezembro de 2005, como aspirante. Posteriormente, fui trabalhar em policiamento em Campinas. Em setembro de 2008, após prestar o concurso interno da polícia, entrei para o Corpo de Bombeiros. De lá para cá, só atuei como bombeiro.
E quando o senhor chegou em Piracicaba?
Vim trabalhar aqui no município em fevereiro de 2010. Em todos meus anos de bombeiro, sempre atuei aqui em Piracicaba. Fora os estágios que fazia em São Paulo (capital) por conta dos cursos, só trabalhei aqui.
O que mais te atrai na profissão?
Primeiro: o fato de estar sempre ajudando as pessoas de uma forma ou outra, seja numa ocorrência de incêndio ou numa ocorrência de salvamento; segundo: o dinamismo da profissão. Eu sempre gostei de aventuras e a profissão de bombeiro é bem dinâmica, isso me atrai.
Como é a sua rotina, seu dia-a-dia, aqui no Corpo de Bombeiros? Quais são as suas atribuições?
Hoje as minhas atribuições são basicamente administrativas. Porém, quando surge ocorrência de maior gravidade às vezes, também acabo atendendo. Num passado não muito longínquo, estive atendendo ocorrências direto por meio de plantões de 24 horas. Com o passar do tempo vamos sendo promovidos e isso acaba nos afastando um pouco da atividade operacional.
Qual é a maior dificuldade que o senhor sente atualmente no comando do Corpo de Bombeiros?
Atualmente sou comandante, e por conta disso tenho meus comandados. Hoje sou visto como um pai para todo mundo não só aqui dentro do quartel, mas em toda a região que eu comando. Essa é a maior dificuldade. Aqui tenho que dar conselhos, tenho que falar “não”, tenho que orientar as pessoas a praticarem o certo. Eu posso até não ter um filho natural, mas tenho um monte de filhos por aí em todos os quartéis. Isso é uma coisa legal, porque nos revela um lado nosso que até então não conhecíamos.
Qual o tipo de ocorrência mais corriqueira aqui em Piracicaba?
Acidente de trânsito. E acredito que isso seja corriqueiro não só aqui em Piracicaba, mas em todos os bombeiros do Estado e até do Brasil. Todo dia há acidente de trânsito. Alguns dias tem mais; em outros, menos. Não tem hora para acontecer. E em grande parte das vezes, eles só acontecem por falta de prudência da população. A gente vê muitas pessoas passando em sinal vermelho, dirigindo com celular nas mãos, motociclistas fazendo conversões proibidas. É aí que o acidente acontece.
E o que tem sido feito para coibir esse tipo de problema?
Temos parceria com vários órgãos públicos. Primeiro nós identificamos o local onde houve aumento no número de acidentes de trânsito, depois fazemos um estudo para entender o porquê dos acidentes naquele local, e só então agimos. Se o problema for, por exemplo, sinalização deficitária ou um buraco na rua que faz com que o motorista tenha que fazer um desvio muito perigoso, passamos esse estudo para a Semuttran (Secretaria Municipal de Trânsito e Transportes) para que eles corrijam o problema. Em vários casos, obtivemos êxito.
Muitas vezes os Bombeiros são expostos a uma série de contratempos que acabam até afetando o psicológico. Vocês recebem algum tipo de auxílio?
Na verdade, não só os bombeiros, mas a Polícia Militar como um todo tem um programa de acompanhamento psicológico. A pessoa pode se voluntariar a esse programa por conta própria, ou pode ocorrer também de ela ser encaminhada. Nesse programa há psicólogos, dinâmicas, e vários outros serviços.
Como a população recebe o serviço prestado pelo Corpo de Bombeiros?
O atendimento de ocorrência é bem visto pela população, até porque ocorrência de polícia é diferente da ocorrência de bombeiro. Quando chegamos, por exemplo, num incêndio a residência, a vítima está ao nosso favor; quando uma vítima se envolve em um acidente de trânsito também não vê a hora que a gente chegue logo para socorrê-la. Então eu vejo que a população enxerga com bastante respeito a figura do bombeiro.
Nesses anos de bombeiro, qual situação mais te marcou?
Teve uma coisa que aconteceu que não foi nem uma ocorrência, mas um episódio particular. Como minha mãe fazia tratamento de câncer, um dos efeitos colaterais que ela tinha era a coagulação sanguínea — o sangue coagulava no interior das vias sanguíneas. Num final de semana, logo cedo, ela estava no banheiro de casa quando começou a passar mal. Nessa hora, eu ouvi meu pai gritando para mim: “corre aqui que a sua mãe está passando mal.” Fui até o banheiro e ela estava deitada no chão com muita falta de ar. Fiz a análise primária, que é uma das fases do protocolo de resgate, e constatei que ela estava com um problema respiratório. Pouco tempo depois ela voltou ao normal, disse que estava bem e decidiu ir para a cama. Deu uma estabilizada. Nesse meio tempo, fui para o banheiro escovar os dentes e ouvi meu pai gritando de novo: “volte aqui porque ela não está legal.” Eu a examinei novamente, vi pulsação e constatei realmente que se tratava de uma falta de ar. Como ela fazia tratamento em Ribeirão Preto, a recomendação que tínhamos era de levá-la para lá caso qualquer coisa acontecesse. Como na época eu residia em Mococa, a viagem para Ribeirão seria de 50 minutos. Meu irmão morava em Ribeirão, então achei melhor telefonar para ele e contar tudo o que estava acontecendo. Falei para o meu irmão que levaria mamãe a um Pronto Socorro, até porque não achava legal pegar estrada com ela. Fui com ela até um Pronto Socorro e a médica a encaminhou logo para a emergência. A médica contou que minha mãe sofria saturação com oxigênio; e sem oxigênio a saturação caía. Isso nos mostrava que ou alguma coisa afetava o seu sistema respiratório ou que ela devia estar sofrendo de uma embolia pulmonar. Posteriormente, ela veio a sofrer uma parada cardíaca e acabou também tendo que ficar um mês na Unidade Coronariana do hospital de Ribeirão Preto. Ficou realmente constatado uma embolia pulmonar. Ela viveu apenas mais seis meses depois disso. A questão que fica é a seguinte: se não fosse todo o conhecimento que eu ganhei aqui no Corpo de Bombeiros, eu jamais teria conseguido salvar a minha mãe, pois se eu a colocasse no carro para levá-la a Ribeirão Preto, ela morreria no meio do caminho. Isso me marcou muito.
Qual o maior conselho que o senhor pode passar a um(a) jovem que pensa em seguir carreira no Corpo de Bombeiros?
O jovem deve pensar sempre no próximo (não sabemos o tipo de ocorrência que teremos pelo decorrer do dia), deve ter profissionalismo e também aptidão. Não adianta um jovem com medo de água querer entrar para o Corpo de Bombeiros, é a mesma coisa que misturar água com óleo, não dá certo. Gostar de praticar uma atividade física também é essencial. Essa é nossa rotina.