Pesquisadores, ambientalistas e população debateram a utilização de mosquitos transgênicos para conter a dengue na cidade. A reunião pública, convocada pelo vereador José Antonio Fernandes Paiva (PT), foi realizada na noite desta terça-feira, 24, na Câmara de Piracicaba, e lotou as galerias do Plenário Francisco Antônio Coelho. O encontro foi solicitado ao parlamentar pelo Comdema (Conselho Municipal de Defesa do Meio Ambiente).
A Secretaria Municipal de Saúde havia programado para abril a soltura de uma linhagem geneticamente modificada do Aedes aegypti, no bairro Cecap. No entanto, o Comdema entrou com representação no Ministério Público para impedir a medida, sob alegação de que a Anvisa (Agência Nacional de Vigilância Sanitária) não autorizou a comercialização do mosquito.
O Aedes aegypti OX513, apelidado de ‘Aedes do Bem’ foi desenvolvido pela Oxitec, laboratório de capital britânico sediado em Campinas. A prefeitura pagou R$ 150 mil pelo lote dos animais. Os pesquisadores alegam que as fêmeas do Aedes silvestre, ao cruzar com os transgênicos machos, geram mosquitos estéreis ou que morrem antes de chegar à fase adulta.
A população que utilizou os microfones do plenário apresentava faixas como “o Conselho de Saúde quer providências contra a dengue”, “população cobaia” e “Não queremos mais transgênicos”. Uma das manifestantes disse que não existe “neutralidade científica”. Os munícipes também levantaram indagações sobre interesses privados, o financiamento das pesquisas e lobby dos laboratórios.
O vereador Paiva destacou a importância de se respeitar as resoluções federais antes de a medida entrar em vigor no município e ponderou que houve erro em não realizar uma audiência pública antes da medida ser anunciada à população. “Especialmente para assuntos ligados à saúde aplica-se o princípio da cautela. Por precaução não se implanta, pois há muitas dúvidas”, avaliou.
ESPECIALISTAS – Entre os presentes na reunião esteve o professor da Universidade Federal de Pernambuco, Paulo Andrade, que acompanhou os estudos sobre a transgenia do mosquito a partir de 2009. Ele atuou como membro da Comissão Técnica Nacional de Biossegurança, que liberou o uso comercial do mosquito. “Todos os perigos já foram considerados, num sistema robusto de avaliação de risco, utilizado internacionalmente”, destacou Andrade.
O questionamento levantado pelo professor da Fatec, Paulo Mendes, se dá na falta de autorização da Anvisa para a utilização do Aedes transgênico. Em contato com o órgão governamental, ele foi informado que o assunto ainda está sendo analisado, sem previsão para o parecer. “Vários pesquisadores questionam o Mosquito do Bem”, opinou ele, ao exibir um vídeo da Fundação Oswaldo Cruz com uma dinâmica diferente para o controle da doença.
EMERGÊNCIA – Cientista da Universidade de São Paulo, Margareth Capurro coordena o Projeto do Aedes Transgênico (PAT). Ela citou a eficiência da iniciativa em Jacobina, na Bahia, com a redução no registro de casos em 2012, em pelo menos dois bairros. Embora o prefeito daquela cidade tenha decretado situação de emergência recentemente, Margareth disse que em 2012 eram 1.113 casos na cidade e, em 2014, foram 98.
Segundo Guilherme Trivelato, gerente do projeto na Oxitec, a liberação do Aedes transgênico não causa riscos à saúde humana e ao meio ambiente. “O mosquito é auto-limitante, morre de dois a quatro dias e, seus filhos, em uma semana. Depois de duas semanas não há traços na natureza, diferentes de outros transgênicos.”
Contestando os dados dos pesquisadores que defendem o projeto, o professor da UFScar (Universidade Federal de São Carlos), José Maria Ferraz, disse que os estudos feitos com o Aedes transgênico foi realizado numa região seca, o que não é o caso de Piracicaba. “Se o mosquito foi liberado só num bairro de Jacobina, como poderia diminuir a incidência da cidade inteira? Não é tão simples quanto vender um sorvete.”
Docente da Esalq, Paulo Kageyama disse que é importante a comunidade buscar a verdade. Ele questionou a prefeitura sobre a escolha da região para aplicação dos testes e se outras alternativas não poderiam ser testadas na cidade. “Este é o momento de Piracicaba servir como cobaia?”, disse. Em resposta, Pedro Mello, responsável pela Secretaria de Saúde, explicou que 20% dos casos de dengue estão na região do Cecap. Segundo a Secretaria de Saúde, Piracicaba registrou 934 casos da doença em 2014 e 346 nos três primeiros meses de 2015.
Acompanharam as discussões os vereadores Paulo Camolesi (PV), Pedro Kawai (PSDB) e José Aparecido Longatto (PSDB). A prefeitura esteve representada pelo procurador-geral Mauro Rontani e pelo secretário Rogério Vidal (Defesa do Meio Ambiente). Do Ministério Público estadual compareceu Ivan Carneiro Castanheira e do Condema (Conselho Municipal de Defesa do Meio Ambiente), Sônia Cristina Ramos.
DEBATE REGIONAL – Uma outra discussão sobre a dengue está programada na Câmara, também solicitada por Paiva, às 14h desta quarta-feira, 25, no Plenário Francisco Antonio Coelho. Ele convidou representantes da diretoria do DRS X (Departamento Regional de Saúde) e do Parlamento Regional do Aglomerado Urbano de Piracicaba para debater o avanço da doença nas 27 cidades atendidas pelo departamento, com população estimada em 1,5 milhão de habitantes.